Waymo faz recall de 1.200 veículos autônomos após colisões leves nos EUA

A confiabilidade dos veículos autônomos sempre foi vendida como a promessa dourada do futuro. Porém, o que acontece quando essa promessa começa

A confiabilidade dos veículos autônomos sempre foi vendida como a promessa dourada do futuro. Porém, o que acontece quando essa promessa começa a mostrar rachaduras silenciosas, camufladas por comunicados técnicos e frases bem ensaiadas de relações públicas? Foi isso que David Shepardson e Deborah Mary Sophia, jornalistas da Reuters, trouxeram à tona com a notícia do recall de 1.200 veículos autônomos da Waymo, empresa da poderosa Alphabet Inc, dona do Google.

O caso ganhou relevância global nesta terça-feira, 14 de maio de 2025, quando veio à tona que a Waymo LLC, braço de mobilidade autônoma da Alphabet, recolheu voluntariamente mais de 1.200 carros autônomos após relatos de colisões com correntes, portões e barreiras rodoviárias. E o mais estarrecedor: ao menos 16 incidentes foram registrados entre 2022 e o final de 2024. Tudo isso em um sistema que é amplamente apresentado como “mais seguro do que qualquer motorista humano”.

A decisão da Waymo foi motivada pela abertura de uma investigação oficial da Administração Nacional de Segurança no Trânsito nas Rodovias dos Estados Unidos (NHTSA), em maio de 2024, após relatos de comportamento irregular por parte dos veículos autônomos da empresa. A agência destacou que muitos desses incidentes envolviam objetos “claramente visíveis” que qualquer motorista competente saberia evitar. Traduzindo: a tecnologia considerada “revolucionária” ainda falha em identificar obstáculos banais.

A empresa afirmou que o problema foi corrigido na sua sexta geração de software de direção autônoma, que já teria sido distribuída para toda a frota até o final de dezembro do ano passado. No entanto, os relatos e registros de colisões já ocorreram ao longo de dois anos. O que nos leva à pergunta inevitável: por que levou tanto tempo para uma gigante como a Waymo agir?

De acordo com o relatório apresentado à NHTSA, felizmente nenhuma das 16 colisões resultou em feridos. Mas o fato de um robô-chofer se chocar com correntes ou portões, objetos parados e visíveis, deveria soar como um alarme severo sobre a real maturidade dessa tecnologia. Em fevereiro de 2024, outros 444 veículos já haviam sido recolhidos, após duas colisões quase simultâneas no Arizona, provocadas por erros no algoritmo que calcula o movimento de veículos rebocados.

Esse padrão começa a revelar uma preocupação mais profunda: será que as empresas de tecnologia estão escondendo, suavizando ou minimizando os erros críticos de suas máquinas em nome da pressa pelo pioneirismo? O histórico recente aponta para uma corrida frenética — não pela segurança, mas pela supremacia mercadológica.

Vale lembrar que não é a primeira vez que o setor de condução autônoma se vê às voltas com controvérsias. Em 2023, a Cruise, subsidiária da General Motors, enfrentou uma enxurrada de críticas depois que um de seus veículos feriu gravemente uma pedestre. A reação do mercado foi imediata: a GM cortou o financiamento da Cruise e decidiu absorver a empresa em sua operação geral, como uma maneira de conter os danos à reputação.

No mesmo caminho da precaução tardia, a Amazon, por meio de sua subsidiária de robótica veicular, a Zoox, também anunciou, recentemente, o recall de 270 veículos, após um incidente em que um robô-táxi vazio colidiu com um carro de passeio em Las Vegas. Nenhum ferido. Mas novamente, o padrão se repete: erro técnico, correção apressada, nota pública otimista.

A Waymo, por sua vez, se apressa em defender a segurança da sua operação. Segundo a empresa, atualmente são realizados mais de 250 mil trajetos pagos por semana com seus robôs motorizados, nas cidades de São Francisco, Los Angeles, Phoenix e Austin — algumas das rotas urbanas mais complexas dos Estados Unidos. A empresa argumenta ainda que seu histórico mostra redução de acidentes com feridos ao longo de dezenas de milhões de milhas percorridas de forma autônoma. A estatística é robusta, mas esconde o detalhe crucial: a ausência de acidentes fatais não significa ausência de falhas perigosas.

É aqui que entra o debate que a mídia corporativa evita: até que ponto estamos entregando nossas vidas a sistemas que sequer sabem reconhecer uma corrente pendurada ou um portão metálico? O entusiasmo tecnológico não pode substituir a prudência — especialmente quando se trata de transporte público ou mobilidade em massa.

Outro ponto pouco abordado é a possível influência desse recall nos negócios e ações da Alphabet. Embora a empresa tente contornar os impactos com comunicados técnicos e otimismo mercadológico, qualquer passo em falso pode gerar desconfiança dos investidores, especialmente em tempos de aumento da pressão regulatória sobre as Big Techs. E sim, essa pressão está crescendo. Cada incidente, por menor que seja, alimenta a argumentação de reguladores, políticos e ativistas que pedem mais controle e transparência no uso de inteligência artificial e robótica.

Curiosamente, apesar dos números e do impacto crescente desses erros, os grandes veículos de mídia tendem a tratar tais eventos com certa suavidade, dando voz quase exclusiva ao discurso corporativo das empresas envolvidas. A Reuters, no entanto, merece destaque ao trazer detalhes precisos e informações técnicas claras sobre os recalls, as investigações e os problemas já identificados. O trabalho dos jornalistas David Shepardson e Deborah Mary Sophia não apenas expõe os fatos, como serve de ponto de partida para uma discussão que vai muito além da tecnologia: é a nossa relação com a automação que está em jogo.

Se os robôs que deveriam dirigir com precisão matemática erram ao identificar um simples obstáculo estático, como confiar neles em situações de alta complexidade, como uma travessia de pedestres em dia de chuva? Ou uma manobra evasiva para evitar um acidente com múltiplos veículos?

Outro aspecto negligenciado no debate público é a responsabilidade jurídica desses erros. Em caso de colisão ou lesão, quem é o culpado? O fabricante do software? O dono da frota? O programador do algoritmo? A verdade é que ainda vivemos em um vácuo legal, no qual as tecnologias avançam mais rapidamente que as regulações, deixando brechas perigosas para consumidores e cidadãos comuns.

Do ponto de vista técnico, a atualização do software para a sexta geração pode, de fato, representar um avanço. Mas é fundamental que haja auditorias externas e independentes que validem a eficácia dessas atualizações. A confiança do público não se conquista apenas com promessas e dados cuidadosamente selecionados — é preciso transparência, prestação de contas e responsabilidade real.

O mundo assiste a um novo capítulo da mobilidade urbana sendo escrito diante de nossos olhos. Mas, como toda revolução tecnológica, essa também carrega consigo riscos ocultos, omissões estratégicas e interesses bilionários. O recall de 1.212 veículos da Waymo, longe de ser um detalhe técnico, deve ser encarado como sinal de alerta para governos, legisladores, investidores e, principalmente, para a sociedade.

No fim das contas, a questão não é apenas se os carros autônomos são o futuro. A verdadeira pergunta é: que tipo de futuro queremos construir com eles?

Com informações Reuters

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